domingo, 28 de outubro de 2007

Meu momento de desengano



Antes que termine o mês, minhas esfarrapadas desculpas. Minha cabeça atordoada é incapaz de formular uma idéia constante faz um bom tempo. Escrever se torna gradativamente uma atividade cada vez mais complexa. Não sei ao certo se a culpa, se é que há, é minha ou de algum fator externo e inerente a mim. O fato é que não consigo me concentrar para escrever. Começo textos que não termino, gosto e desgosto na mesma velocidade, apago minhas palavras como um homem frio que se desfaz de pedaços de si mesmo com a frivolidade cruel de um assassino vil. Perdi as contas do quantitativo inconcluso, só neste mês foram pelo menos quatro contos, uma meia dúzia de crônicas e uns tantos poemas inacabados como seres errantes, fetos abortados no sexto mês de gestação.
Escrever, às vezes, como dizia Pessoa, é maçada. Uma atividade evasiva frustrante, uma forma de enfrentar o estúpido mundo e se sentir vitorioso pelo menos uma vez na vida. O problema se dá no que escrever. Dizer das desgraças alheias, insanidades humanas, crimes ou corrupção, basta que se ligue a televisão ou se abra o jornal. Desgraças acontecem o tempo todo, não é preciso inventá-las. E se formos criar uma outra realidade paralela, ignorando a problemática constante da vida, caímos no risco de moldar um lugar de pessoas alienadas e distantes da crise mundial.
Outro fator que muito me incomoda é o que se propor a escrever quando já se foi dito quase tudo no campo literário. Como ser original em meio a tantas histórias já contadas. Dizer do cotidiano não é assim tão interessante a ponto de tomar a vida de um escritor de meia pataca que sofre mais o texto do que chega ao orgasmo com as palavras. Já disse que as minhas são prostitutas baratas que se vendem por muito pouco, agora, penso eu, elas se dão, se entregam, se jogam, uma vez que poucos por elas se interessam.
Gosto de criar personagens, dar a vida como se fosse um genitor, mas na atual conjuntura, minhas crianças são seres disformes, verdadeiras criaturas feias. Não ando muito feliz com minhas peças, não tenho chegado ao mínimo de verossimilhança em suas formações. Ao vê-los percebo um imenso buraco em personalidades fracas e vidas frágeis que são impulsionadas por motivos banais. Incabíveis formas de encarar os dias duros na vida e suas superficiais relações com os acontecimentos que os regem.
Estou a um ponto de me aposentar por invalidez. Encarar a triste verdade de que não sou um escritor, nem mesmo um daqueles ruins que encalham por aí. Minhas gavetas estão cheias de papéis gastos inutilmente. Várias vidas engavetadas, vários dias — e o dobro de noites —, perdidos no alimentar de um sonho que se finda. Dói aceitar que os alicerces ruíram, que os castelos eram feitos de areia e que o mar não se comove com a fragilidade das ilusões. “As ondas nervosas do mar” me devoraram tudo o que pensei ser com indiferença, sem se importar com minhas lágrimas, sem se incomodar com o sal do meu suor.
Se na prosa sou infeliz, busquei a felicidade nos versos, mas até mesmo eles me traíram. Foram mesmo eles ou minha incapacidade criativa o algoz da desgraça? Cansei de cantar o amor, não porque deixei de amar, mas por perceber que por mais que se componha sentimentalidades, elas não garantem a mesa do jantar. Mercenário? Não, não é a gana por dinheiro que me impele os versos, se dependesse disso já estaria morto de fome. Fama? Raros são os poetas que dela se fartaram em vida. “Poetei” para desabafar, para tirar de mim a angústia que me consome os dias, para desafogar a mágoa minha, para abstrair a realidades das minhas dores, para declarar o amor que a boca minha cala e o coração chora, para manifestar minhas vontades que escondo atrás das cortinas do espetáculo pobre que é minha existência. Escrevo para não morrer.
Pode parecer exagero, e sou exagerado, mas dadas as minhas debilidades físicas, talvez não consiga deixar uma parte minha sobre a Terra. É bem provável que não consiga gerar um filho, e isso me dói mais do que qualquer crise de minha doença. Sonho em poder carregar no colo um rebento saudável, em poder me orgulhar de uma criança esperta, em me emocionar ouvindo alguém me chamar de pai... mas o tempo passa célere e os meus dias estão cada vez menores. Minha incapacidade de ser progenitor me deixa verdadeiramente triste só de pensar na impossibilidade de não ter uma prole. Transfiro então esse desejo normal ao homem comum para meus textos, que eles se firmem como partes minhas que ficam após a morte e me façam ser lembrados de alguma forma positiva. Dizem que a imortalidade consiste em deixar ao mundo alguém que continue o seu trabalho, eu perco as esperanças de deixar alguém, assim meu legado foi dedicado aos versos, à prosa, mas elas me tem sido tão penosas que o meu pesar é o fracasso iminente. Eu choro.

Alberto da Cruz
2007, 28 de outubro

Publicado em:
http://www.recantodasletras.com.br/autores/albertodacruz

sábado, 6 de outubro de 2007

A volta do prazer esquecido



“Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!"
Fernando Pessoa

Como eu havia previsto, esta semana foi muito corrida. Quase não fiz nada do que deveria ter feito, restringindo-me apenas a planejar ações futuras que, muito provavelmente, jamais ocorrerão. Estou em débito comigo mesmo, e isso me aborrece. Deixei de lado o Conto Conspiratório, assumo agora em público, não por achar que a história seja ruim, mas não tenho paciência no momento para pesquisar sociedades secretas, tampouco criar um clima de suspense. Não quero, nem vou, engavetá-lo como fiz com vários projetos meus. Apenas uma pausa nas atividades, para que eu possa limpar minha mente de assuntos conflitantes. Tenho urgência em resolver algumas pendências de minha vida pessoal, por isso, talvez seja a melhor explicação, não tenha conseguido dar cabo ao projeto firmado há exatamente um ano. Sei que quando livrar-me dos meus tormentos, a história fluirá como no começo e a trama se mostrará límpida como água de fonte — péssima comparação.
Mas nem tudo são espinhos, há também as rosas. Por falar nisso, minha primeira seleção de poemas foi intitulada “Espinhos e Rosas”, em 1996, com quinze anos de sofreguidão sobre a terra; selecionei cerca de cem poemas, todos ultra-românticos, e distribuí algumas cópias para os bons amigos. Mas voltando as benditas rosas, resolvi voltar a participar de concursos literários, depois de bons anos longe dessa loucura. Nem me lembro da última vez que enviei um texto para um concurso, tamanha a minha birra com bancas avaliadoras. De 2000 para cá, meu último contato com prêmios de literatura foi como jurado e membro de, isso mesmo, bancas avaliadoras, para meu próprio espanto.
Não sei se o que me levou a me expor dessa forma foi a vontade de competir com outros colegas em igual situação, se foi por não agüentar mais ouvir o editor dizer que publicar poesia hoje é complicado, ou ainda se a falta de dinheiro pesou em minha decisão, o fato é que, juntamente com Mariana, estou a selecionar o material que já possuo para montar um volume de aproximadamente 80 páginas para o concurso José Lins, de João Pessoa. Tenho material até de sobra, mas de qualidade discutível. Lembrei-me agora de uma história muito engraçada ocorrida com um poeta contemporâneo que enviou à editora algumas poesias e, na página final, pôs o seguinte recado: Não se preocupem, há mais lenha no forno. Passados alguns dias, recebeu a resposta do editor: Que bom para você. Quando tiver poemas, mande para nós.
Estamos ainda na metade do trabalho, nesta semana conseguimos escolher vinte poemas dentre cem. Falta muito ainda para lermos, avaliarmos e revisarmos. Certamente terei que fazer ainda algumas correções, pois tenho a péssima mania de escrevê-los e abandoná-los como um cafajeste que, depois de saciar suas necessidades, deixa a mulher entregue a sua própria sorte. Assim, terei que conquistar meus versos novamente para poder dar-me ao luxo de alterar algumas de suas imperfeitas construções.
Não satisfeito, também decidi participar do concurso literário promovido pela Fundação Escola de Serviço Público do Rio de Janeiro, FESP. Desse, terei o prazo para entrega um pouco maior, mas em contrapartida, a tarefa também. Concorrerei com três poemas inéditos e, três contos também inéditos. Quanto aos poemas não perco o sono, pois, como já mencionado, não me falta material, mas os contos, nenhum dos que tenho estão dentro das regras publicadas no edital. Ser limitado a um número de páginas é o mesmo que tolher a criatividade de uma criança. Portanto tenho que escrever novas histórias que correspondam ao exigido. Comecei dois deles recentemente, mas o que brinquei hoje já me agradou deveras. Só não sei se uma história erótica agradará a maldita banca. Pagar para ver é o que me resta.
Já que esse texto versa sobre voltas e reviravoltas, novamente me pus a poetar com prazer. Escrevo pelo menos um poema por dia e tenho me sentido satisfeito com o retorno textual. Claro que a inspiração vem de Mariana e nossa deleitosa relação. Depois de muito tempo penando os versos, finalmente as palavras fizeram as pazes e se relacionam tão bem que me causam espanto. Tem sido fácil escrever assim; e quando percebo, a estrofe está no cabo e o poema se revela como mágica. Aproveitando a fase criativa, projetei uma série de poemas intitulada “Ela”, em que separo do todo as partes que mais admiro na mulher — amada, obviamente. Discorro sobre elas, para depois, no fim, juntá-las e dar uniformidade aos fragmentos. Até o momento já tenho prontos: Teus seios; Teus pés e Teus cabelos. Resta-me agora compor os olhos, o nariz, os lábios, o ventre...
Apesar de voltar às boas com os textos, tenho pensado nos temas sobre os quais abordo. Sou poeta do amor, gosto de cantar às mulheres e carrego de sentimentalismo minhas composições, quando não, falo sobre o ato de escrever, metalinguagem e minhas limitações criativas, mas gostaria de mudar um pouco meu estilo, abordando questões existenciais e sociais. Eis minha pedra no caminho, no sapato, pois todas as vezes em que enveredei por essas estradas acabei por fazer péssimas construções. Devo tentar novamente, devo arriscar nos exercícios poéticos até que surja o que tanto almejo? Não me custa tentar, pois se não for feliz, apenas terei perdido alguns minutos em minha tediosa existência absurda. E para meu desprazer, isso eu faço constantemente.

Alberto da Cruz
2007, 05 de outubro.
http://www.recantodasletras.com.br/autores/albertodacruz