segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Quatro dias de lástimas

Quatro dias, alguns poemas e fragmentos diversos, esse foi o saldo do feriado de 15 de novembro, para meu desgosto. Faz um bom tempo que não escrevo para a coluna. O tempo foi gradativamente diminuindo, juntamente com minha paciência. Outubro foi uma lástima para mim e minhas composições, em todos os sentidos. Já enfrentei dificuldades em outras vezes, mas há muito não me aconteciam momentos de total pane mental como esta última. Parece-me que o hiato criativo voltou a fazer parte de minha vida, deixando assim uma lacuna incrivelmente ampla, separando-me da redenção ao terminar um texto, qualquer que seja ele.
Gostaria que minha vida estivesse no eixo, mas anda descentralizada, por isso é tão penoso dar continuidade às atividades que começo. Ando muito blasé com minhas peculiaridades. E também uma onde depressiva virou meu barco. A solidão voltou a me acompanhar e uma tristeza inexplicável veio somar no meu trágico caminho os passos atrás de mim.
Antes de começar a choramingar minhas amarguras, boas notícias: estourando o prazo para entrega, enviei para o Concurso Literário Lúcio Lins o livro de poemas “Lírica Imperfeita”, em que, depois de um longo processo de escolha, compilei, com Mariana, as 60 páginas que o compõem. Escolhemos cerca de 50 poemas escritos entre o começo do ano e os primeiros dias de novembro. O difícil foi deixar de lado alguns bons textos, já que o espaço era limitado. Agora só me resta esperar pacientemente para que saia o resultado final. Conhecendo-me suficientemente bem, não deposito muitas esperanças na vitória, já que em âmbito nacional sair-me vitorioso dentre excelentes novos escritores é muita pretensão de minha parte. Pensei até mesmo em desistir de mandar-lhes meu volume poético, mas minha fiel incentivadora vetou meu pessimismo latente, obrigando-me a enfrentar a imensa fila dos correios e despachar o envelope com os meus delírios.
O pior de tudo é que não participo do concurso somente com o desejo de vencer e ser reconhecido, mas o que mais motivara a minha investida foi a premiação em dinheiro, além da publicação de 500 exemplares da obra. Vejamos o que dará, mas não estou confiante de que conseguirei ir muito longe. Afinal, aos olhos da crítica, meus versos de amor, paixão e erotismo não são muito originais, mas também não decaem na poesia social tão aclamada e, ao meu ver particular, um tanto quando chata. Prefiro cantar o amor de um dia a versejar sobre acontecimentos do dia a dia, política, miséria ou outro desses acontecimentos universais. Em minha concepção pobre, o sentimento humano deve ainda ser cantado, pois o homem é todo sentimento, seja ele bom ou mal.
Já que comecei, não irei parar, pelo menos por enquanto, de expor-me a galhofa em concursos de literatura, grandes ou pequenos, profissionais ou amadores. Portanto, hoje enviei quatro poemas a dois concursos; o desconhecido “Concurso Literário da Ordem dos Dragões” e o “Concurso de Literatura Gótica”, promovido pela Boca da Serpente. Ainda resta-me escolher os 3 poemas e 3 contos para o Concurso Literário da FESP. Esse anda me tirando o sono, já que não consegui ainda escolher os trabalhos que serão enviados à comissão julgadora. O prazo caminha para o fim e eu não consegui pensar em nada. Isso me assusta muito, pois mais uma vez estou de olho no lucro.
Infelizmente tenho de pensar também no fator financeiro. Canso de ouvir e dizer que literatura, no Brasil, não dá dinheiro, não põe a mesa de ninguém; que deve ser vista como um hobby qualquer. Não é mais possível pensar dessa maneira, pois o tempo, as privações, as escolhas as quais nos submetemos para criar algo apresentável, no mínimo, há, de alguma forma, de ser recompensada. Só não gosto de título de Mercenário das Palavras, mas já as chamei de prostitutas baratas mesmo.
Talvez seja por esse trato rude que tem sido um tanto difícil lidar com o texto. Não sei se é apenas uma fase ruim dentre tantas outras ou a mais límpida verdade: não levo jeito para a prosa. Tenho, nos últimos anos, escrito uma série de histórias que se desenham em minha cabeça, mas no exato momento em que as materializo, parece-me que perco no processo a essência do texto. Eu, que adoro contar histórias, talvez não saiba contá-las. Aproveitei o feriado para reler algumas narrativas e achei-as, no alto do meu senso-crítico, ruins. Como se eu não conseguisse captar o sentimento exato que me propus a dizer. Talvez, o que parece mais infeliz, é que eu não tenha nada a dizer. Óbvio que nem tudo é uma premissa triste, há uma historieta ou outra que me faz brilhar os olhos, mas é pouco diante tantas outras. Ainda no meu lado torto, percebi que tenho sim o ímpeto criativo, as idéias florescem e as inicio de forma primorosa, mas é só isso. Geralmente não passo da introdução do que é bom, dos ruins, chego ao fim.
Antes, sofria para rever cada página. Só me adiantava no trajeto, depois de corrigir, lapidar as frases, dar coerência aos parágrafos, mas a trama acabava por não sair devido à demanda de tempo gasto na minha mania de perfeição. Assim que decidi escrever como um louco, sem voltar uma página para rever as falhas, consegui chegar ao fim do caminho, mas os passos foram tão vacilantes que a maior parte do que lá está, considero um lixo desnecessário à formação das vidas expostas em minhas vazias palavras. Eis que me surge um dilema: escrever um bom quantitativo que deverei excluir ou padecer em busca do ponto exato? Realmente não sei como devo proceder.
Felizmente, embora o período não seja dos melhores, a poesia se fez clara novamente. Consigo escrever alguns versos e, pela primeira vez, realmente gosto do que tenho feito. É sabido de todos que tenho aversão aos meus poemas, mas tenho me enternecido com algumas composições. Até mesmo as composições que versam sobre o amor me têm feito sorrir, devo, é claro, agradecer a Mariana por isso, pois sem ela a tarefa seria sem sentido. Uma efusão de novas sentimentalidades me fez soltar o que antes era contido e, sem cair naquela melancolia extremada romântica, as palavras voltaram a bailar ao som da minha valsa enamorada. Minha intenção poética não é ser piegas, embora às vezes chegue a ser, mas exaltar as formas boas de um sentimento puro. Já compus a ela material suficiente para um livro inteiro, sem mediações, todos em sua homenagem, sejam eles de realização, felizmente a maioria, sejam eles de momentos de frustração, muito mais do que deveria ter. Dessa forma, um acalento a minha alma mais ou menos de poeta, faz com que eu tenha esperanças de novo, apesar da melancolia que vaza pelos poros.
Na sexta-feira última, fiquei incomodado com um episódio que sempre me foi comum. Lia alguns poemas recentes para minha mãe, atividade mais do que normal, pois gosto de ouvir seu veredicto sobre tudo o que faço em minha vida. Até mesmo quando não concordamos sobre o assunto, sua opinião é fundamental. Claro que prefiro quando ela demonstra satisfação no que lhe apresento aos vetos que me faz pelo que rejeita, mas, em ambos os casos, é quase vital sua sincera avaliação. Em meio a essas leituras, cada vez mais me irritava com seu sarcasmo e assimilações com meu passado enterrado. Aquilo me gerou um mal-estar muito grande, pois em momento algum as estrofes referidas aludiam ao que foi, na época, traumático em minha vida. Fiz menção de parar a leitura, mas diante de sua insistência, continuei. Não devia tê-lo feito. Minha mãe explodiu num choro compulsivo que me deixou pasmo. Perguntei-lhe o que havia dito que a deixara naquele estado e a resposta foi surpreendente. Ela me disse que meus poemas parecem ser feitos, não para mim, mas para ela. Como se os sentimentos ali expostos, despidos de qualquer julgamento, trouxessem à tona o que ela sufocara durante seus anos de amargura.
Fiquei muito abalado e interrompi a leitura quando ela me perguntou sobre o que me motivara a escrever aqueles poemas. Disse a verdade, que não fora nenhum episódio meu, apesar de algumas coisas refletirem sensações que me assolam, mas projeções da vida, idealizações de acontecimentos, personagens que me faziam escrever sobre seus tormentos.
Pode parecer sadismo, mas aquilo me deixou satisfeito. Finalmente percebi que meu objetivo foi atingido: provocar em meu leitor sensações, levá-lo a identificar-se com o meu texto, tirando-o de mim. Relacionei o episódio com Fernando Pessoa em seu “Autopsicografia”, “o poeta é fingidor” e “os que lêem o que escreve na dor lida sentem bem, não as duas que ele teve, mas só as que eles não têm” como também em “Isto”, que de perfeita forma, sintetiza tudo o que lhe disse naquela noite: “Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração”, para fechar com o verso mais significativo que conheço: “Sentir? Sinta quem lê!”
Depois disso, parece-me que o motivo para a literatura voltou a mim. Tanto tempo imerso na escuridão fez-me esquecer que basta apertar o interruptor para que se faça a luz. Posso não ser um escritor brilhante, mas também não sou o inútil que imaginava ser.

Alberto da Cruz
2007, 17 de novembro
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terça-feira, 13 de novembro de 2007

Malditos Erros


"Errar é humano,
Depende de quem erra."

Às vezes cometemos erros em nossas vidas sem nos darmos conta dos males que podemos fazer com nossa falta de consciência. Um minuto é suficiente para fazer ruir qualquer alicerce, pode facilmente pôr abaixo qualquer edifício, independente de seu tamanho, seja pequeno ou absurdamente imenso. Falhas, o homem é cheio de falhas. Umas menores, completamente aceitáveis na sociedade; outras, de tão escabrosas, são motivo de condenação por um pequeno grupo, por uma pessoa apenas, não importa, pois a pena ao erro é sempre medida na proporção da dor que causa.
Não cometi um erro apenas. Ontem eu cometi o erro da minha vida. Estupidamente pus toda a felicidade que um dia tive à lona. Deixei triste aquela que me faz sorrir. Transformei um sonho lindo em um pesadelo mortal. Quando eu disse ao telefone “acabou”, pode ter doído nela, mas foi meu peito que sangrou. Quando eu disse “acabou”, as lágrimas escorreram em seus olhos, mas foram os meus que queimaram em brasas. Quando eu disse “acabou”, seu peito bateu descompassado, mas o meu parou. Cometi o erro derradeiro de uma vida errada. sem pensar no que fazia findei o que me motivava. Quis tirar de mim a bondade e fiquei com a agonia. O que fazer agora? Que trágico destino terei eu a partir de hoje. Como terei uma vida inteira sem ela se apenas um minuto é insuportável? Como irei respirar se ela é o meu ar?
As conseqüências de atos malfadados derrubam até mesmo os colossos, e eles, seres gigantescos, têm a queda maior e mais sentida do que as pequenas formigas quando desabam de vários metros de altura. Minha queda é descomunal, sem pára-quedas ou cama amortecedora. Vôo em direção ao chão como um pássaro morto, em alta velocidade; ou ainda, como um imbecil que assiste à lutas na tevê e pensa que pode derrotar um Acelino Popó em um combate, o preço da audácia é a lona. Cá estou eu a ouvir o juiz fazer a contagem regressiva. Em minha cabeça sua voz pausada anuncia os números como se estivesse dentro do olho do furacão, tudo é dissonante.
Fugindo da verdade, gostaria de que existisse a máquina do tempo. Seria ótimo também se o preço para usá-la fosse acessível aos, como eu, simples mortais. Voltaria hoje a algumas horas atrás e refaria minhas últimas encenações. Evitaria o quarto gole no conhaque, não tomaria sozinho a quinta cerveja e me manteria dono da minha consciência. Mudaria muito se estivesse sóbrio, mas não estava, portanto a volta ao começo do drama seria a solução. Mas se voltar ao no tempo fosse possível, por que voltar ao fim e não ao início, onde todos os múltiplos problemas realmente começaram? Fácil, porque apesar de aborrecimentos esporádicos, outros nem tanto, houve momentos inesquecíveis que não poderiam jamais ser apagados. Houve sorrisos que nunca mais serão dados. Houve beijos apaixonados como se vê nas novelas noturnas. Houve carinhos impagáveis e abraços tenros. Não só decepções aconteceram, e elas foram terríveis, mas também tivemos nossos momentos diáfanos. Voltar e mudar, portanto, seria trucidar essas boas passagens da vida.
Seria bom fugir da realidade, mudar o que não gostamos, mas a vida nos ensina com as nossas falhas. Que lição aprenderíamos se não tivéssemos a sombra da decepção. Como edificar um bom homem sem conhecer os males da vida. Dizer que se retira dos livros as experiências que não vivemos é, no mínimo, hipocrisia. Errei, minha consciência dói, a cabeça pesa no travesseiro, choro por minhas falhas e espero, um dia, ver-me livre da mácula que causei. Livre, se ela me perdoar, livre, se eu puder me perdoar.

Alberto da Cruz,
2007, 04 de novembro