Depois da interminável quantidade de trabalhos do mês passado, fiz questão de dar-me merecidas férias textuais. Assim que terminei o material para o 13º Concurso Literário da FESP não mais escrevi uma linha para nenhum fim, afinal compus como louco em novembro e dezembro para conseguir finalizar os escritos antes que meu prazo findasse, era de se esperar que eu chegasse à exaustão física e mental, mesmo ainda deixando alguns trabalhos em aberto, como o romance Minha História, que nasceu da mesma idéia do conto “A menina dos meus olhos”. Embora as duas histórias possuam o mesmo tema central, rumam por caminhos diversos. Obviamente o romance é mais denso do que o conto, afinal os gêneros literários existem para que as obras não sejam iguais. Gostaria de dar cabo logo ao romance, mas ando um tanto blasé com a literatura. Até mesmo este pequeno texto me é sofrível para escrever. Parece, e não sei o porquê, que perdi, momentaneamente, o tesão pelas palavras. Tenho vontade de escrever da mesma forma que um homem impotente tem vontade de deleitar-se com o sexo, ambos ficamos na vontade imaginando o ato de prazer. Quero escrever, mas não consigo. Perco a paciência ainda no primeiro parágrafo e largo o texto ainda menino como um mãe que abandona o rebento a sua própria sorte. A criança ainda pode crescer, mas minhas palavras sem o meu afeto não chegam nem a infância das letras.
Estou cansado, essa é a grande verdade. Cansado de lutar contra minhas limitações e por uma revolução íntima que nunca chega. Ando desacreditado com meus pensamentos e, principalmente, brigado com meus ideais. Não sei se o grande motivo para minha regressão artística foi a falta de bons resultados atualmente ou simplesmente o tédio somado a um langor absurdo que me tolhe não só a criatividade como também a própria vontade de manifestar meus desejos e expor sonhos no papel. A vida de escritor é dura, portanto sem perseverança é praticamente um fardo pesado demais para carregar. Por isso ainda não me decidi se espero pelos resultados até meados de março para continuar os projetos inacabados ou se ponho fim às minhas férias e mergulho definitivamente no mar de palavras e pensamentos bizarros que me povoam a mente tão cheia de conflitos.
Não estou muito bem pessoalmente. Vida atribulada e repleta de paixões. Talvez se conseguisse separar os meus tormentos, realizaria melhor minhas tarefas, mas não consigo abstrair um problema de outro. A vida amorosa está oscilando muito e isso tem sido prejudicial para o bom andamento de meus delírios.
Pronto. Perdi a paciência outra vez. Agora quando estiver mais tolerante regresso ao texto.
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Insisto para terminar este mal-gerado absurdo dois dias após largá-lo ao meio como se estivesse pronto ao lixo. Não é por falta de assunto que ele rasteja como um animal ferido prestes a morrer. Assunto não me falta, o que desapareceu foi talvez a tranqüilidade costumeira que me tomava quando me ponho a escrever, quando me punha a escrever.
O ano não começou nada bem e eu devia ter me atinado aos detalhes que marcaram a passagem dos meses. Tudo bem que no momento em que 2008 se desenhou e eu vi seu esboço, acreditei que seria esplêndido o seu começo, mas não devemos acreditar em esboços sem conhecer de fato o artista e o seu trabalho final. Confiei e me decepcionei com a obra pronta nos primeiros dias do ano. Fora uma exposição de pesadelos.
Como eu disse já faz algum tempo, precisava enfrentar a dura realidade de minhas amarguras passadas na comemoração da festa da virada de 2006-2007. Piamente acreditei que só haveria uma maneira de espantar o fantasma da Praia do Sono de minhas noites insones: dessa vez também ir, cedendo às minhas vontades, para acompanhar Mariana em seus desejos. Fui, mas faço um adendo. Não é preciso mencionar a beleza do lugar e a tranqüilidade que 4 dias em meio a natureza causam em nós, criaturas urbanas, dependentes de tecnologia como uma droga vital a nossa existência vã. Acontece que constantemente me perguntava desolado se aquele lugar era mais importante do que eu e meu amor incondicional. Acreditar que fui trocado pelas noites de algazarra por aquela a quem meu coração aponta como, bem-dizer, segurança aos meus dias conturbados era um mal que me feria o íntimo, sem remédio para aliviar as fortes dores perpetuadas na alma — que hipérbole! Apesar de descontente, procurei abstrair-me dos erros e me divertir com ela passou a ser o mais importante. Afinal, havia um bom motivo para estar ali: Mariana, sempre Mariana. Era a oportunidade que eu tanto esperava para enfim dormimos juntos, pois em pouco mais de um ano de namoro, conta-se nos dedos as vezes em que demos um beijo de boa noite e acordamos juntos num sorriso pleno ao dizer bons dias ainda com os corpo colados como se fossem um só, sentindo o calor da pele despida aquecer nossos desejos. E claro que nos faltou o conforto de um quarto, mas em seus braços até o colchão inflável e a pequena barraca abafada era o paraíso.
Há quem pense que me curei do mal, mas não. Atenuadas as mágoas, mas não de tudo findadas. Às vésperas do Ano Novo, faltando menos de uma hora para os fogos iluminarem o céu, nós brigamaos novamente e, novamente por algo que poderia ser evitado. Punhamos em risco a alegria festiva. E confesso que naquele instante senti raiva dela; um sentimento tão avesso que me fez repeli-la como se me fosse algo nocivo. Até que os ânimos se acalmassem foi horrível olhá-la, senti-la, amá-la. Conseguimos, porém, esquecer, pelo menos momentaneamente, as nossas desavenças e partilhamos da comemoração. Se havia o que discutir, ficaria para o outro dia, menos tensos e mais racionais. Porém o que se iniciava ruim ganhou proporções ainda maiores.
Um dos nossos companheiros de viagem nos informou que fomos roubados. Conhecendo seu espírito brincalhão, demorei a acreditar que dessa vez ele dizia a verdade. Em passos apressados chegamos ao camping em que estávamos e a decepção abateu-se voraz sobre todos nós. Era verdade. Todas as nossas barracas, somente as nossas dentre dezenas, tinham sido violadas. Felizmente, nossas coisas não foram levadas, nem mesmo nossos poucos Reais foram encontrados, mas aos nossos amigos o destino foi diferente, uma sucessão de desgosto e desespero os tomou de espanto quando se constatou que muito deles foi levado: dinheiro, bens materias, fora a bagunça feita em todas as coisas. Era o fim da festa, pelo menos foi por algumas horas. Embora tentássemos salvar a comemoração e nos divertirmos com o que nos sobrou, foi impossível não voltar nossa noite a falta de sorte que tivémos. No dia seguinte, para espanto de todos os demais acampados, ríamos do ocorrido enquanto contabilizávamos o que nos sobrara para voltarmos para casa.
O ano começou mal. Digo isso não só pelo que nos aconteceu no Sono, mas também pelo clima tenso entre mim e Mariana na semana de regresso. Chegamos terça e quinta, por pouco, não se findam todos os esforços, lágrimas e sorrisos que dividimos. Aquela velha história de que um acontecmento ruim atrai outro que por sua vez atrai mais outro e assim sucessivamente. Brigamos como nunca antes. As profundas mágoas ainda latejavam em nossas cabeças e eu, que de amores por ela morro, resolvi que era melhor enterrar nossa história de vez por não aguentar mais os deslizes impensados de nosso relacionamento.
Nunca vi Mariana chorar como a vi naquela quinta. Jamais imaginei que o que ela sente por mim fosse tão forte a ponto de fazê-la soluçar, chorar e gritar como meio de fazer-me mudar o pensamento. Discutimos por horas e nesse interlúdio triste, propus o nosso fim, apesar de nos amarmos. Não era possível continuar sem que o respeito pelos pequenos detalhes existisse. Seria viver o próprio inferno ter a vida sem ela, mas eu não mais suportava as mágoas que me varriam o peito. Eu que já passara por outras desilusões na vida, já experimentara tantos amores, já vira ruir tantos sonhos, já recomecei tantas vezes esquecendo velhos amores, pensei que não seria diferente e esquecer também dela seria como foi com as outras que por minha vida passaram. Com Mariana sempre foi diferente, eu não poderia esquecê-la nem levar a vida como se ela não fizesse parte de mim. Recobrei a consciência a tempo, antes que o mal jamais pudesse ser desfeito. Puxei com força para meus braços e calei seu choro infantil em minha boca. Foi nosso beijo derradeiro, a hora em que percebemos que o amor que temos um pelo o outro supera toas as diferenças e faz o passado ingrato morrer. E eu a amei mais.
Parece-me que precisávamos enfrentar a desordem dos nossos pensamentos para nos certificarmos que queremos cultivar nossa história. Foi duro e quase vimos nossos frutos despencarem antes do tempo, mas felizmente a colheita foi salva depois da tempestade. Hoje vivemos os nossos dias de glória e ainda mais apaixonados do que antes. Nosso amor cresce a cada dia, solidifica-se a cada hora. E nosso futuro se desenha, não num esboço de um artista desconhecido, mas pelas mãos de um gênio da arte.
Alberto da Cruz
2008, 08 de janeiro