Quando Jean e eu iniciamos o Vida de Escritor, estávamos enfrentando as primeiras panes do nosso Conto Conspiratório, o malfadado livro à quatro mãos. A idéia original era escrever sobre as dificuldades em se escrever quando a mente e os problemas cotidianos influem na tecitura do texto. Bem, já faz, mais ou menos, dois anos que o blog foi ao ar, três romances — dois publicados e outro indo para a revisão — escritos por mim, alguns poemas e várias entradas no diário eletrônico, sem que o nosso texto avançasse mais do que três capítulos.
O blog foi jogado às traças, depois que eu o assumi, escrevendo meus dias de angústia e batalhas sangrentas com as palavras. Jean abandonou o projeto, eu o segui, contando meus pensamentos e alguns dos acontecimentos bizarros, engraçados, tristes, lastimosos e felizes da minha vida, não só de escritor, como também pessoal, profissional e afetiva.
Agora, com poucas e nada frequentes entradas, volto a escrever minha parte da estranha Vida de Escritor. Venci, pois, o hiato que me separou por um bom tempo da atividade literária. Depois da publicação de Intermitência, a separação dói — Corifeu, 2008 — escrevi alguns capítulos da infame Vila do Medo e, antes do clímax, voltei minhas fichas para Memórias em Ruína. Terminada a redação inicial, deixei-o arquivado em alguma pasta no computador e esqueci o quão prazeroso é escrever. Não sei se por não obter o retorno desejado com Intermitência ou por estafa mental, não me sentei para escrever durante meses; aposentadoria por invalidez no INSS literário. Em julho, ou junho, deste ano, comecei a escrever as primeiras páginas de O Jogador. Queria escrever algo diferente, sem muita reflexão íntima, com muita ação, mas discorrendo sobre algo do meu interesse. Decidi abordar os jogos de sinuca, uma velha paixão. Depois de longa pesquisa, encontrei a hora certa para começar. Foram mais ou menos três meses pensando e trabalhando o texto. Durante três meses O Jogador fez parte de minha vida. Ontem escrevi a última frase do livro. Hoje sinto um vazio. Não ter mais o que escrever, não ter mais o que criar gerou-me a sensação de nulidade. Penso em voltar ao texto, reescrevê-lo, modificá-lo apenas para não aceitar que chegamos ao fim. Não mais nos pertencemos. Devo entregar o original à revisão ainda esta semana, por isso a despedida é dura. Nunca trato meus textos como filhos ou entes queridos, mas com este a impressão é que não termino um trabalho, mas lhe dou vida, ou o lanço para a vida como uma criança diante das mazelas de um mundo doente.
Foi divertido sonhar com as tacadas de Heitor, com as curvas do corpo de Victória, com a maldade de Munro, com a ganância de Hernan Lopera, com a vingança de Paulo Caçapa, com a corrupção do Capitão Dantas, com a ingenuidade de Thiago, com a tristeza de Fabiana, com a elegância de Raul Vergara e o enigma de Aldone. Sentirei falta dos meus personagens como sentiria de um parente que se vai. Dou-lhes, então, o meu adeus. Desejo-lhes sucesso na jornada. Que seus caminhos sejam melhores do que o meu.
Agora que o trabalho, e a jogatina, acabou, preciso de um tempo para aliviar a cabeça. Pensar no próximo trabalho. Já tenho um roteiro pronto, as madeiras no galpão para construir A Marcenaria. Não sei ao certo, mas acredito que este meu novo projeto se torne o mais novo xodó. Pelo menos no esboço a ideia me encantou de tal modo que as personagens ainda em gestação já ganharam o meu afeto. Não vejo a hora de começar a escrever o texto que contará a saga do velho marceneiro e seus conflitos num mundo moderno. Volto ao trabalho psicológico-memoralista, semelhante ao desenvolvido em Memórias em Ruína. E por falar nisso, é incrível como Memórias, Leite Derramado e Os Órfãos do Eldorado se parecem até mesmo nas diferenças. Mas isso fica para uma próxima vez.