quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Já lustrei meus sapatos

A tarde é fria. Eu já não sei que graça tem a vida. Meu coração, de luto, palpita. Certas coisas trazem à luz um sentimento obscuro de partida; a minha partida. Esvaindo-se lentamente, a essência vital da juventude me abandona a cada dia. Não tenho mais prazeres, não me restaram dos sonhos a esperança. Tudo morre um dia, nada é eterno, tampouco tem pretensões de ser. È inevitável lutar contra o único fato derradeiro, quando não se há mais soldados nem guerreiros.
Eu deixo a vida, não hoje, mas ao poucos. Lutar? Por que haveria de cansar-me com uma batalha que antes mesmo de iniciar-se já está perdida? A morte me rodeia, me enlaça, abraça, me beija. Acaricia-me a testa, desce à minha nuca, segura-me nos ombros. Consolo último nos dias de sofrimento elevado. Não tenho medo, mas a ponta da melancolia me faz chorar. E essas lágrimas em silêncio e segredo que me escorrem pelo rosto amargurado aliviam a dor do desengano.
Se eu tivesse um revólver não pensaria duas vezes, poria em prática o gesto malfadado, exteriorizando meu sangue doente em troca de um pedaço de chumbo. Mas não posso adiantar o futuro. Falta-me coragem. Apesar disso, é inevitável dizer que a sorte me abandonou. A morte é uma donzela à espera da valsa. Já lustrei meus sapatos. Aguardo a orquestra.


2007, 07 de setembro

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