quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Tenho medo de morrer amanhã

"Se eu morresse amanhã viria ao menos
fechar meus olhos minha triste irmã”
Álvares de Azevedo, Lembrança de Morrer


Odeio começar um texto que não terminarei no mesmo instante em que me comprometi a escrevê-lo. Odeio ser dominado por um maldito relógio. Odeio ser escravo do tempo e ter minhas vontades reprimidas pelo senso de responsabilidade profissional. Por que não podemos fazer o que quisermos de nossas vidas e estipularmos nossos horários independentemente das obrigações? Obrigações não deveriam ser obrigatórias, pois tolhem a criatividade, assassinam a inspiração e deixam tudo com um gosto meio amargo.
Por que então escrevo, já que sei que não chegarei ao fim do último parágrafo? Talvez por sentir uma necessidade monstruosa de expor meus pensamentos e compartilhar com muitos, com poucos ou somente comigo meus lampejos e idéias; talvez por apenas querer extravasar as loucuras que fervilham em minha mente mais insana do que normal... talvez apenas para fazer com que me sinta menos inútil nesta valsa doentia que é a vida. Vamos todos dançar.
Andei alguns dias longe da atividade redentora do meu espírito cansado e corpo doente. A vida passa rápido e o “tempo não pára” para que possamos esperar a tão desejada “hora da estrela”, principalmente no meu caso. Cada dia passado é um a menos no meu contador. Alguém me espera e eu sei quem é. Já vi a sua “cara” e não a achei assim tão linda.
Tenho medo de morrer amanhã. Tenho medo de escrever meu último texto; tenho medo de vê-la pela última vez... e partir desta esfera sem me despedir como desejo; tenho medo de não ver o sol nascer, de dormir e não acordar. Eu não quero morrer amanhã, embora não seja possível escolher. “Morrer não dói”, mas viver é um sofrimento inevitável que temos de enfrentar enquanto respiramos. Acho que é por isso que luto contra o sono e as horas silenciosas da madrugada. Preciso registrar meus pensamentos enquanto ainda tenho lucidez... mesmo que parca. Embora eu queira mudar o mundo, se não para muitos, pelo menos para aquelas pessoas que me cercam, contento-me somente com fazer a diferença na vida de alguém, ter uma razão, nesta passagem calamitosa, na vida. Poder fazer com que as pessoas se lembrem de mim por algo de bom que eu tenha feito. À noite, deitado em minha cama, temo ser esquecido... ou lembrado pelos meus erros, não pelos meus sucessos. Isso faz da vida um desespero, essa vontade de construir algo que perdure e transcenda a minha tediosa realidade. Eu preciso construir algo bom antes que minha luz se apague. Por isso tenho medo de morrer amanhã.
E se morrer tão logo nasça o dia, não terei dito adeus, nenhuma palavra de despedida àqueles que tanto estimo, nem mesmo um suspiro de consolação ao meu amargo fim. Dá-me agora vontade de pegar o telefone e ligar para meus pais; dizer que os amo acima de tudo; pedir desculpas pelas minhas desobediências na infância, pelos meus erros na adolescência e pelos meus ais de agora. Queria deixar bem claro que a culpa de eu ser assim não é deles, não é minha, e sim do acaso, do destino ou da má sorte que me ruiu os dias. Queria dizer ao meu jovem irmão que lamento não ser o seu exemplo, não estar presente nos momentos importantes de sua vida, que sua existência me fez lutar contra a praga mortal que me dilacera inteiramente. Gostaria de carregá-lo no colo como fazíamos quando eu tinha forças para lançá-lo às alturas e agarrar seu corpinho, sorrindo como ele, como uma criança feliz. Queria poder ligar a Ela e dizer-lhe o que encontrei a felicidade em seus braços, como sua voz infantil me acalentou nos momentos de mais intensa crise, como seu sorriso me forçava a resistir às plagas da dor. Infelizmente o adianto das horas inviabiliza a necessidade pungente de discar os meus dois números telefônicos tão queridos, por isso a dor da alma transcende a dor do corpo.
Pode ser que eu não morra amanhã, mas não ouso dizer-lhes o que grita em mim. Não quero assustá-los com minha incerteza, não quero que vejam em mim a “luz negra” apagar-me os sonhos. Causar tristeza nos que me amam enquanto ainda respiro seria um golpe ainda mais desumano ao meu pouco futuro. Prefiro vê-los sorrindo, prefiro fazê-los acreditar que estou bem e ando a arquitetar uma vida plena de objetivos. Pena que, para mim, sejam apenas continuar um pouco mais entre eles.
Dói-me olhar para trás, enquanto passa o meu curta-metragem, e lembrar que por vezes tentei contra minha existência; que pensei em desistir de tudo, vazar a cabeça com um tiro, lançar-me de um edifício, tomar dezenas de antidepressivos e agora, que mal me sustento, rezo em silêncio por um pouco mais. Mas me entregar à dura realidade do meu prazo também não seria uma forma de suicídio? Ou seria um modo louco de desistir da luta inútil, já que todos têm o mesmo fim? A consciência humana é mesmo problemática. Vivo em dicotomia, numa antítese crucial: viver para morrer “versus” não morrer para viver. Mas como um exclui o outro, embora rumem ao mesmo fim, sou prisioneiro desse paradoxo complexo da existência.
Estou fraco. Choro como um último bálsamo ao inevitável. Minha forma de encontrar alívio aos meus pecados é isolar-me em mim, trancafiar-me no pouco que me resta de paz. E mesmo assim até o que me tranqüiliza assusta. Estou em pedaços que jamais serão juntados, estou a um passo do desconhecido, a um passo de chegar aonde a luz brilha intensamente e não há mais volta.
Penso em como serei lembrado, se é que o serei. Minhas composições muito provavelmente serão enterradas comigo, algumas esquecidas em gavetas ou perdidas entre tantas folhas. E todo o esforço e dedicação aos quais me empenhei tão arduamente não terão valido nada. Todas as noites, debruçado sobre uma mesa calejando os dedos com a caneta, terão sido inúteis como fora a minha vida. Logo eu que tive o sonho de um dia ser alguém, de ser reconhecido por uma utopia. Se eu tivesse tempo para amadurecer minha literatura medíocre, talvez eu fosse lembrado, sem honras, mas lembrado e, quem sabe, homenageado de alguma forma num evento menor. Mas não!
O amanhã está próximo, e eu não quero morrer sem dizer perdão e adeus. Realmente não quero... mas não depende de mim, infelizmente não.

Alberto da Cruz
2007, 11 de setembro

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