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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dias de Inferno



— Acontecimentos ruins nunca chegam sozinhos —

Esta tem sido uma semana difícil. Tão difícil que nem sei por onde começar o meu relato. Não sou uma pessoa muito supersticiosa, pelo menos não era, mas agora começo a acreditar que entrei numa fase negra. Devo ter passado em baixo de uma escada, topado com um gato preto, chutado uma macumba, eu devo ter feito algo para que os últimos dias fossem tão amargos comigo; uma sucessão de tristes episódios que me mancharam a alma havia pouco tenra, agora de luto grave e muito azarada. Estou perdendo a calma, a um passo do desatino, quase desistindo da luta amarga que é a vida.
A sina teve início na segunda. Trabalho novo, primeiro dia na escola nova, tudo transcorria bem até que descobri que o vazamento que tanto atormentava o vizinho do andar de baixo vinha do meu banheiro. Descoberto o problema que fez minha cabeça doer durante duas semanas de tanto ouvir as reclamações, não tive escolha e mandei o pedreiro quebrar tudo. Como resultado, tenho que correr a casa dos meus pais para tomar banho. Para piorar, eu me banho pelo menos três vezes ao dia, portanto está sendo um inferno manter-me asseado neste insuportável calor com meu problema de transpiração excessiva. Espero que até sexta-feira tudo se resolva, afinal esse foi o prazo estabelecido na contratação do serviço, mas pelo andar da carruagem, acredito que não será cumprido.
Por causa do desconforto no banheiro, ainda na segunda-feira, fui à casa de Mariana com o intuito de tomar um relaxante banho, mas voltei para casa com o rabo entre as pernas e ainda sujo. Os ânimos por lá estavam um pouco alterados e acabei presenciando uma discussão feia entre ela e a mãe. Embora o assunto fosse de mãe e filha, acabei inserido no centro das ofensas e tive minha parcela de culpa exposta para que eu pudesse julgar os nossos limites atualmente: quase nenhum. O cerco está apertando e nosso tempo praticamente escasso. Queria dizer que não fiquei chateado, mas não seria verdade. Profundamente magoado relutei muito em lá voltar, mas por forças superiores a minha vontade, não tive escolha. O que mais me dói nessa história é que em poucos dias Mariana irá estudar no Rio, logo só poderemos nos ver nos fins de semana e com o tempo estritamente limitado. Se a incerteza de como manteremos a nossa relação já é grande agora, não quero nem mesmo imaginar como será em nosso futuro próximo. Estou com medo, um imenso medo de que nosso romance comece a fazer água, uma vez que nos vemos diariamente e daqui para frente isso não será mais possível.
Como não bastasse a decepção que sentia, o pior ocorreu na terça-feira de madrugada. Telefonemas às quatro da manhã sempre dão medo. Os últimos que recebi eram trotes, mas mesmo assim, ficamos com receio de atendê-los. Geralmente atendo-o perguntando quem morreu para que me liguem a essa hora, mas ontem nem precisei perguntar. Quando minha mãe, chorosa, me ligou, sabia que algo extremamente ruim acontecera. Imaginei de imediato que havia sido a morte de meu avô, porque há poucas semanas ele fora internado e nos deixou intranqüilos com seu estado de saúde debilitado. Não estava cem por cento errado, para o meu pesar. Não, não era o meu avô de 93 anos, mas meu tio, seu segundo filho. Embora não nos víssemos há alguns, foi um choque saber que ele tivera um enfarte fulminante. No início pensei, ou melhor, quis acreditar que foi um sonho ruim, ao amanhecer tudo estaria normal como sempre fora, mas não. Eu não havia sonhado, era tudo real, infelizmente meu tio falecera num hospital frio de Niterói.
A dor que senti, e ainda sinto, foi lacerante. Tudo conspirava para intensificar o sofrimento. O estado de minha mãe, parecia ter sido atingida por um raio mortal; a sensação de perda; o fato de eu não poder ir ao enterro, porque não havia com quem deixar as crianças; tudo contribuiu para o meu desespero. Segurei minhas lágrimas o dia inteiro para não deixar meu irmão assustado, mas no fim da noite arrebentei num choro compulsivo. Sinto-me amargurado por não ter me aproximado mais dele, de conhecê-lo somente por histórias contadas com orgulho por meus tios e por limitar-me apenas às nossas breves conversas pelo telefone. Dor. Pena. Tristeza. Minha pobre mãe ainda este devastada; chora como um bebê abandonado numa noite fria. Ela está exausta, chora o dia inteiro e nada posso fazer para amenizar sua febre. Faltam-me palavras, faltam-me a frieza e a segurança para confortá-la em seu momento de agonia. Isso me corrói, me mata também.
Para encerrar a peça e selar minha queda, o Peugeot apresentou o seu segundo problema. Se o primeiro, com a troca da bateria ficou excelente, o de agora não aparenta ser tão simples o reparo. Não entendo muito de mecânica, mas me parece que o problema é no motor. Não estaria tão triste por isso, se não tivesse padecido tanto com o malfadado Civic, que em apenas um mês me levou cerca de dois mil reais. O barulho, cada estouro que eu ouvia, parecia um tiro seco vindo debaixo do capô. Ainda sinto minhas pernas tremerem e o ar fugir de mim. Não quero passar pelo período negro que me foi ficar sem carro novamente. Espero que o conserto seja simples e que não me leve o ordenado do mês inteiro, que já está mais do que comprometido.
Tantas coisas ruins acontecendo sem que eu nada possa fazer para evitá-las. Já não me animo mais facilmente, nem boas notícias me fazem rir ou me sentir menos mal com as intempéries atuais. Vejo o dia ficar cinza pela janela, uma imensa nuvem negra se aproximando e prestes a desaguar a pior das tempestades sobre a minha dolorida cabeça. Nem mesmo os títulos de menção honrosa no Concurso Literário Mendonça Junior e no Concurso Literário do Vale das Sombras acalentaram meu espírito. Talvez se viesse em outra semana eu teria ficado feliz, mas calhou de ser na época errada que as novidades chegaram; vieram junto com a chuva, que lá fora, começa a cair. Estou desesperado.

Alberto da Cruz
2008, 28 de fevereiro

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Mudança de comportamento entre o passado presente e o hoje

“Se tanto amor dentro de mim eu tenho
E, no entanto, eu continuo inquieto
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais”

Clarice Lispector
O que seria de minha vida hoje se as ações do passado recente tivessem sido outras? Essa é uma dúvida que me permeia o pensamento, mas não porque eu gostaria que fosse diferente, apenas uma estranha curiosidade sem muita importância. Muita coisa mudou na última rotação da Terra em torno do sol. Eu mudei bastante em relação ao que havia me tornado nos anos difíceis, mas se parar para pensar, afirmo que não mudei, e sim voltei a ser quem fui um dia e por variados fatores externos deixei de ser.
Os últimos dias foram bem interessantes, embora nada tenham me apresentado sobre a tecitura do romance, isso já virou rotina. Minha vida pessoal tem me tomado toda a atenção, mas não reclamo, nem a culpo por tal. Na verdade estava mesmo precisando refletir meus momentos e tormentos e esquecer um pouco o rumo profissional, já que passei bons anos investindo em minha profissão e meus anseios literários, deixando, por conseqüência, minha estima e acontecimentos íntimos de lado.
Imerso nesse clima “retrô-saudosista”, lembrei-me há pouco de certas passagens tolas minhas, tão tolas que me chegam a causar vermelhidão na face. Houve um tempo em que eu escrevia tão compulsivamente que nem mesmo os guardanapos de bar escapavam da minha caneta. Não havia um dia em que eu não escrevinhasse num papel qualquer que pairasse em minhas, hoje trêmulas, mãos. Foram tantos escritos que a maioria foi perdida entre um copo e outro de cerveja. Eram momentos pueris guiados por um forte ideal criativo que aos poucos diminui, tudo graças aos contratempos de uma vida desregrada e à beira de um fim triste, mas anunciado. Onde estão meus textos de bar? Onde estão meus delírios embriagados? Onde estão meus momentos de inconsciência alegre? Desaparecidos numa amnésia provocada em uma memória falha, eis a verdade.
Eu, sinceramente, não sei o porquê do afastamento de algo que me é tão prazeroso. Faz tempo que não me dedico aos meus prazeres maduros; faz tempo que não me tranco no escritório e escrevo ou reviso sem me importar com as horas em que, isolado do mundo, tenho apenas o microcomputador como companhia. E por falar nisso, nem mesmo uma boa leitura tem me feito permanecer sentado no sofá como antigamente era comum. Minha mente não pára. Uma avalanche de pensamentos me põe em risco e a única coisa que posso fazer é não fazer nada. Assim, atividades que me fascinam ficam de lado. Romances, poesias, filmes, nada me acalma o espírito revolto. Isso me entristece deveras.
Digamos que a vida breve mudou da água para o vinho na maior parte das circunstâncias que me rodeiam, mas em alguns pontos, o vinho tornou-se aguado sem que eu o diluísse. Coisa estranha, não? Dentre as mudanças, descobri que a felicidade existe. Eu, um tristão assumido desde os primórdios de minha curta existência, experimentei o gosto da alegria, e vi desenhar-se em meu rosto uma série de sorrisos plenos que jamais pude imaginar que fosse capaz. Depois de sair do inferno astral que me meti inconscientemente, parece-me que cheguei ao limiar entre amor e dor; ilusões sôfregas e realidades ternas... e tenho tensão de seguir para o lado positivo, pasmem.
Já não há mais como esconder, também não há necessidade para tal, finalmente me apaixonei como nunca antes, uma mistura de sobriedade e segurança, dando-me bases e esperanças de construir algo, enquanto ar ainda tenho para me encher os pulmões tão maltratados. Não digo que a reviravolta tenha sido impulsionada por sentimentalidades, até porque não seria uma reforma íntima que leva ao crescimento. Obviamente a contribuição tenha sua importância, mas as derrubadas que a vida me deu foram determinantes para uma revisão do comportamento geral. Processo evolutivo em que aprendemos com erros, ganhamos vivência e chagamos à conclusão de que a maturidade chegou. Só não quero que o amor de hoje se transmute em dor e mágoa um dia, realmente não quero, mas se acontecer, de cabeça erguida, será preciso continuar os passos em busca do desconhecido, com as lembranças dos meus melhores dias gravados na alma enamorada... mas não quero nem pensar que acabe, deixemos o futuro para o futuro, mesmo que não haja o futuro, deixemo-lo para depois.
Atualmente venho recuperando os dias de juventude que deixei passar, andando tão preocupado em solidificar um futuro que não foi o esperado. Se os pontos eu tivesse entregado quando as nebulosidades encobriram minhas vistas, já teria desistido, como sempre, e, talvez, tivesse adiantado o relógio à minha hora derradeira. Não estaria aqui escrevendo minhas histórias, bem provável que a última narrativa estivesse pronta antes do tempo, definitivamente.
Um ato realizado de forma impensada desencadeia uma multidão de aborrecimentos inevitáveis, mas um acerto, que mais se parece com um erro no princípio, na verdade é a correção das utopias e quimeras. Digo que hoje não me cabem as ilusões de antes; hoje o tempo me empregou marcas cruéis, portanto sou obrigado por mim mesmo a viver uma espécie de carpe diem pensado. Não afirmo que deixei de ser triste, mas a felicidade em mim existe e cresce, brota, floresce lentamente. Quem sabe ela perdure nos meus dias finais... E que eles demorem um bom tempo ainda para chegar.


Alberto da Cruz
2007, 20 de setembro

Texto publicado em:
http://www.recantodasletras.com.br/autores/albertodacruz

sábado, 18 de agosto de 2007

Uma nota triste

Já faz algum tempo, Jean e eu, em uma de nossas quintas-feiras de uísque e culinária, tivemos a idéia de criar uma personagem, ou atribuir a alguma já imaginada, um hábito que me é peculiar: trabalhar com bonsais, aquelas arvorezinhas orientais criadas na China e difundidas pelo Japão. A personagem seria um bonsaísta, utilizando a arte secular da miniaturização para harmonizar-se com seus planos mais do que suspeitos. Era uma forma de aproveitar minha paixão pelas árvores, utilizando-a no romance, a fim de dar à personagem em questão ares mais humanos, uma vez que ele seria um dos antagonistas da narrativa. Assim, ele devotaria suas virtudes benéficas no cultivo das plantas, criando perfeitas florestas artificiais de tamanho reduzido. Fiquei feliz com a idéia e esbocei algumas cenas em que Ele (a personagem ainda não tem nome e em todas as suas referências utilizamos o pronome como se fosse próprio, uma espécie de deus) arquitetava suas investidas, envolto em uma imensidão de galhos e folhas, as mãos sujas de terra e apetrechos de jardinagem também utilizados para ceifar a vida daqueles que atravessavam seu caminho.
Todo o pensamento para a concepção da referida personagem se deu por minha coleção de bonsais, minha alegria. Algo surpreendente que faz com que meu estresse diário se dissipe ao aramar um galho, decorar um vaso com pedrinhas, podar os excessos, fertilizar as folhas, plantar novas árvores. Amo-os como filhos e, por isso, a nota triste de hoje. O belíssimo fícus ganthel morreu... e a culpa foi minha. Nas férias, passei alguns dias fora e ele não suportou as horas sem cuidado. Por azar, os dias estavam muito quentes e a exposição ao sol foi muito intensa. Fiz o possível para salvar os brotos, mas eles não resistiram. Ainda me esforcei para manter o caule, mas em vão.
Resta agora torcer muito para que as raízes ainda tenham uma sobrevida. Pelo menos estão com um pouco de seiva e daqui a alguns anos é possível que venha a crescer de novo, desde que eu reze muito para que exista uma volta da morte para as pequenas plantas.
Pelo menos com essa triste experiência, poderei ser mais verossímil com minha personagem insana. Menos mal!