sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Simples Gostos na Vida


“Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto de bons modos
Não gosto”

Senhas, Adriana Calcanhoto

Eu gosto de acordar cedo e ver o mar pela janela do quarto. Eu gosto de beber café forte e muito quente, enquanto fumo um cigarro, logo que me levanto da cama, antes de fazer qualquer coisa.
Eu gosto de fazer sexo pela manhã, embora, à tarde, seja bom e, à noite, também. Gosto de experimentar, variar, inovar. Quase dispenso todos os tabus, menos homossexualismo, que não curto nem um pouco. Não tenho lugar, pode ser na cama, no sofá, no chão, sobre a mesa, debaixo da mesa, no banho, na cozinha, do lado de fora, dentro do carro... o que importa é a hora do prazer. Mas devo confessar que às vezes prefiro o depois ao durante, aquele momento gostoso em que os corpos extasiados se abraçam e, sentindo o calor do outro, adormecemos felizes num gesto enamorado. Sexo, para mim, é entrega total. Não curto um lance casual, tem de haver envolvimento afetivo sério, fazer com amor mesmo, pois sem, nada tem graça.
Gosto de música e das emoções que ela me propicia. Não tenho um estilo definido, ouço de tudo. Para mim, o que importa é o momento, por isso podem me pegar cantando de um samba-canção de Cartola a um grito visceral de Rock. Tudo depende do instante, mas tenho meus preferidos. Chico Buarque me faz pensar, amar e produzir, meu ídolo e exemplo tanto no cenário musical quanto no campo literário. A poesia de Humberto Gessinger me fascina como os poetas contemporâneos que admiro. Alcione me faz chorar, principalmente quando estou em crises amorosas. Ouvir Cazuza me dá um tremendo tesão, daqueles de deixar maluco mesmo; mas também me faz pensar na transitoriedade da vida e como o tempo é voraz. Se minha vida tivesse uma trilha sonora, ela seria de vários estilos, passeando dos clássicos compositores à musicalidade contemporânea.
Gosto de livros, minha paixão antiga. Cada volume adquirido é um orgasmo múltiplo. Vivo entre eles e de tanto estimá-los, tornei-me um bom leitor, mas poderia ser melhor. Nada me encanta mais do que uma boa leitura, seja de um romance, biografia ou poesia. A arte literária me toma os sentidos e me leva ao êxtase do supremo num gesto sublimado. Por vezes troquei diversos programas para me deleitar com um livro e, juro, jamais me arrependi de prostrar-me no sofá e viajar pela madrugada. Se ler é um orgasmo, escrever é a minha doce sina. Escrevo para me livrar tédio, para espantar a solidão, para sair da rotina, para desabafar minhas mágoas, ilusões e desespero. Ganho, bem menos do que gostaria, falando de minhas tristezas e de minhas insanidades, embora já faça um bom tempo que não vejo lucros sobre minhas divagações. Não paro com a escrita, mesmo descompromissada, é ela que me acalenta um pouco o espírito revolto.
Gosto de filmes, e passo horas diante da televisão, entretido com alguma trama fictícia. Não sou um cinéfilo assumido, mas tenho minhas películas prediletas. Meu gosto é variado. Adoro comédias do tipo besteirol. Amo filmes de terror, principalmente sobre vampiros, lobisomens e assombrações. Choro assistindo a um bom drama. Quero amar da forma como vi em algum romance. Sou louco por filmes de máfia e do período da Recessão Americana. Hoje em dia tenho prazer com as produções nacionais, diferentes das pornochanchadas antigas. Assisto a, mais ou menos, cinco filmes por semana, fora aqueles que eventualmente passam nos quatorze canais específicos que assino.
Gosto de carros. Sem restrições, qualquer tipo me atrai. Tenho predileção pelos antigos nacionais que a maioria dos antigomobilistas adoram, como: Maverick, Opala, Puma, GTB, Miúra e Galaxie Landau. Sou louco por esportivos importados, tive inclusive um Honda Civic que era o meu xodó, mas fui obrigado a vendê-lo. Gosto de me sentar ao volante e ouvir o barulho do motor ao virar a chave e levantar os giros. Dirigir é mais do que uma simples necessidade, é uma válvula de escape. Quando estou na estrada, faço questão de abaixar os vidros e deixar o vento bater em meu rosto. Gosto de ver a estrada pelo pára-brisa e saber que estou no controle. Amo velocidade, e às vezes exagero no acelerador, mas também curto uma volta bem devagar, observando o mundo passar a minha volta.
Gosto de plantas, de cultivá-las, de orná-las em pequenos vasos cheios de pedrinhas e musgos diversos. Quando estou com as mãos sujas de terra, delicadamente ajeitando as raízes, parece-me que esqueço as minhas próprias mazelas numa atividade catárticas. Tenho meus bonsai, a única forma de se ter árvores em uma casa sem espaço, e outras de diversos tipos. Perco horas debruçado sobre as pequenas plantas, podo, reparo, aramo, crio estilos, admiro, chego ao êxtase. Ainda encherei a casa de verde, mas tudo tem seu tempo certo.
Gosto de cozinhar, embora não possa comer quase nada do que levo ao fogo. Tenho prazer, pelo menos, em ver os amigos fartando-se com o que faço, e chego a experimentar alguns pratos apenas por vaidade, embora meu médico me repreenda por furar a dieta controlada de ingestão de açúcar, mal dos diabéticos. Aprendi a gostar de saladas e alimentos coloridos naturalmente, mas ainda enlouqueço com uma apetitosa massa.
Gosto de trabalhar, ainda que não receba o valor a que a classe educadora mereça. Realizo-me em sala de aula, quando me sinto responsável por, além de passar o conteúdo exigido pelas grades de ensino, ajudar a moldar um cidadão consciente. Meus alunos são meus amigos e os prezo da mesma forma a que os íntimos. Reclamo bastante, mas por nada largo meu ofício. Acredito na educação, mas não no sistema educacional atual. Espero uma reviravolta nos moldes em vigor, antes que as coisas saiam do controle.
Gosto da companhia dos amigos, por isso abro as portas de minha casa para todos eles, deixando-os tão à vontade como se estivessem em suas próprias. Compartilho do meu pão, da minha água, do meu uísque, do nacional é claro, o importado apenas a um seleto grupo dentro do círculo fraterno. Bons papos, conversas amenas, um programa íntimo em conjunto, tudo isso me satisfaz. Não preciso de agitação todas as noites para me satisfazer, na maioria das vezes sentar no sofá e assistir a um bom documentário, ou mesmo filme, bebendo e beliscando um aperitivo qualquer é muito mais prazeroso do que uma noite entre desconhecidos conhecidos.
Gosto ainda mais de ficar sozinho, embora precise de alguém muitas vezes. Faz parte de minha estranha figura trancafiar-me no escritório e refletir a vida. Já experimentei o convívio em sociedade de diferentes formas, mas preferi a solidão como amiga íntima. Sigo meus próprios horários e não mudo minha rotina por ninguém. Lavo a louça quando quero, arrumo a casa quando melhor me convém. Dito minhas próprias regras e não dou satisfação a ninguém por minhas escolhas. Sou independente, pago minhas contas, batalho pelo meu sustento, não preciso, pois me sujeitar aos caprichos de ninguém.
Gosto de adormecer nos braços da mulher amada, e ainda mais de acordar ao seu lado, mesmo que seja raríssimo, salvo em poucas oportunidades. Gosto de amá-la nesse ineditismo que esta relação representa a mim. Descobri que a felicidade existe graças ao brilho dos seus olhos, mesmo que eu bata no peito para defender meu direito de ser triste, uma vez que a tristeza é parte de mim. Momentos diáfanos ocorrem quando juntos o mundo pára, embora o tempo corra célere, sem respeitar as vontades do nosso pobre coração.
Gosto de pequenas coisas na vida. Eu valorizo detalhes que para a maioria são insignificantes. Tenho minhas loucuras e às vezes sou meio radical com minhas atitudes. Não sou perfeito como nenhum homem é, não sou especial, nem anormal; sou apenas diferente neste mundo de pessoas comuns.
Mas o que eu gosto mesmo é de fazer sexo pela manhã.

Alberto da Cruz
2007, 27 de setembro

Texto publicado em:
http://www.recantodasletras.com.br/autores/albertodacruz

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Mudança de comportamento entre o passado presente e o hoje

“Se tanto amor dentro de mim eu tenho
E, no entanto, eu continuo inquieto
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais”

Clarice Lispector
O que seria de minha vida hoje se as ações do passado recente tivessem sido outras? Essa é uma dúvida que me permeia o pensamento, mas não porque eu gostaria que fosse diferente, apenas uma estranha curiosidade sem muita importância. Muita coisa mudou na última rotação da Terra em torno do sol. Eu mudei bastante em relação ao que havia me tornado nos anos difíceis, mas se parar para pensar, afirmo que não mudei, e sim voltei a ser quem fui um dia e por variados fatores externos deixei de ser.
Os últimos dias foram bem interessantes, embora nada tenham me apresentado sobre a tecitura do romance, isso já virou rotina. Minha vida pessoal tem me tomado toda a atenção, mas não reclamo, nem a culpo por tal. Na verdade estava mesmo precisando refletir meus momentos e tormentos e esquecer um pouco o rumo profissional, já que passei bons anos investindo em minha profissão e meus anseios literários, deixando, por conseqüência, minha estima e acontecimentos íntimos de lado.
Imerso nesse clima “retrô-saudosista”, lembrei-me há pouco de certas passagens tolas minhas, tão tolas que me chegam a causar vermelhidão na face. Houve um tempo em que eu escrevia tão compulsivamente que nem mesmo os guardanapos de bar escapavam da minha caneta. Não havia um dia em que eu não escrevinhasse num papel qualquer que pairasse em minhas, hoje trêmulas, mãos. Foram tantos escritos que a maioria foi perdida entre um copo e outro de cerveja. Eram momentos pueris guiados por um forte ideal criativo que aos poucos diminui, tudo graças aos contratempos de uma vida desregrada e à beira de um fim triste, mas anunciado. Onde estão meus textos de bar? Onde estão meus delírios embriagados? Onde estão meus momentos de inconsciência alegre? Desaparecidos numa amnésia provocada em uma memória falha, eis a verdade.
Eu, sinceramente, não sei o porquê do afastamento de algo que me é tão prazeroso. Faz tempo que não me dedico aos meus prazeres maduros; faz tempo que não me tranco no escritório e escrevo ou reviso sem me importar com as horas em que, isolado do mundo, tenho apenas o microcomputador como companhia. E por falar nisso, nem mesmo uma boa leitura tem me feito permanecer sentado no sofá como antigamente era comum. Minha mente não pára. Uma avalanche de pensamentos me põe em risco e a única coisa que posso fazer é não fazer nada. Assim, atividades que me fascinam ficam de lado. Romances, poesias, filmes, nada me acalma o espírito revolto. Isso me entristece deveras.
Digamos que a vida breve mudou da água para o vinho na maior parte das circunstâncias que me rodeiam, mas em alguns pontos, o vinho tornou-se aguado sem que eu o diluísse. Coisa estranha, não? Dentre as mudanças, descobri que a felicidade existe. Eu, um tristão assumido desde os primórdios de minha curta existência, experimentei o gosto da alegria, e vi desenhar-se em meu rosto uma série de sorrisos plenos que jamais pude imaginar que fosse capaz. Depois de sair do inferno astral que me meti inconscientemente, parece-me que cheguei ao limiar entre amor e dor; ilusões sôfregas e realidades ternas... e tenho tensão de seguir para o lado positivo, pasmem.
Já não há mais como esconder, também não há necessidade para tal, finalmente me apaixonei como nunca antes, uma mistura de sobriedade e segurança, dando-me bases e esperanças de construir algo, enquanto ar ainda tenho para me encher os pulmões tão maltratados. Não digo que a reviravolta tenha sido impulsionada por sentimentalidades, até porque não seria uma reforma íntima que leva ao crescimento. Obviamente a contribuição tenha sua importância, mas as derrubadas que a vida me deu foram determinantes para uma revisão do comportamento geral. Processo evolutivo em que aprendemos com erros, ganhamos vivência e chagamos à conclusão de que a maturidade chegou. Só não quero que o amor de hoje se transmute em dor e mágoa um dia, realmente não quero, mas se acontecer, de cabeça erguida, será preciso continuar os passos em busca do desconhecido, com as lembranças dos meus melhores dias gravados na alma enamorada... mas não quero nem pensar que acabe, deixemos o futuro para o futuro, mesmo que não haja o futuro, deixemo-lo para depois.
Atualmente venho recuperando os dias de juventude que deixei passar, andando tão preocupado em solidificar um futuro que não foi o esperado. Se os pontos eu tivesse entregado quando as nebulosidades encobriram minhas vistas, já teria desistido, como sempre, e, talvez, tivesse adiantado o relógio à minha hora derradeira. Não estaria aqui escrevendo minhas histórias, bem provável que a última narrativa estivesse pronta antes do tempo, definitivamente.
Um ato realizado de forma impensada desencadeia uma multidão de aborrecimentos inevitáveis, mas um acerto, que mais se parece com um erro no princípio, na verdade é a correção das utopias e quimeras. Digo que hoje não me cabem as ilusões de antes; hoje o tempo me empregou marcas cruéis, portanto sou obrigado por mim mesmo a viver uma espécie de carpe diem pensado. Não afirmo que deixei de ser triste, mas a felicidade em mim existe e cresce, brota, floresce lentamente. Quem sabe ela perdure nos meus dias finais... E que eles demorem um bom tempo ainda para chegar.


Alberto da Cruz
2007, 20 de setembro

Texto publicado em:
http://www.recantodasletras.com.br/autores/albertodacruz

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Tenho medo de morrer amanhã

"Se eu morresse amanhã viria ao menos
fechar meus olhos minha triste irmã”
Álvares de Azevedo, Lembrança de Morrer


Odeio começar um texto que não terminarei no mesmo instante em que me comprometi a escrevê-lo. Odeio ser dominado por um maldito relógio. Odeio ser escravo do tempo e ter minhas vontades reprimidas pelo senso de responsabilidade profissional. Por que não podemos fazer o que quisermos de nossas vidas e estipularmos nossos horários independentemente das obrigações? Obrigações não deveriam ser obrigatórias, pois tolhem a criatividade, assassinam a inspiração e deixam tudo com um gosto meio amargo.
Por que então escrevo, já que sei que não chegarei ao fim do último parágrafo? Talvez por sentir uma necessidade monstruosa de expor meus pensamentos e compartilhar com muitos, com poucos ou somente comigo meus lampejos e idéias; talvez por apenas querer extravasar as loucuras que fervilham em minha mente mais insana do que normal... talvez apenas para fazer com que me sinta menos inútil nesta valsa doentia que é a vida. Vamos todos dançar.
Andei alguns dias longe da atividade redentora do meu espírito cansado e corpo doente. A vida passa rápido e o “tempo não pára” para que possamos esperar a tão desejada “hora da estrela”, principalmente no meu caso. Cada dia passado é um a menos no meu contador. Alguém me espera e eu sei quem é. Já vi a sua “cara” e não a achei assim tão linda.
Tenho medo de morrer amanhã. Tenho medo de escrever meu último texto; tenho medo de vê-la pela última vez... e partir desta esfera sem me despedir como desejo; tenho medo de não ver o sol nascer, de dormir e não acordar. Eu não quero morrer amanhã, embora não seja possível escolher. “Morrer não dói”, mas viver é um sofrimento inevitável que temos de enfrentar enquanto respiramos. Acho que é por isso que luto contra o sono e as horas silenciosas da madrugada. Preciso registrar meus pensamentos enquanto ainda tenho lucidez... mesmo que parca. Embora eu queira mudar o mundo, se não para muitos, pelo menos para aquelas pessoas que me cercam, contento-me somente com fazer a diferença na vida de alguém, ter uma razão, nesta passagem calamitosa, na vida. Poder fazer com que as pessoas se lembrem de mim por algo de bom que eu tenha feito. À noite, deitado em minha cama, temo ser esquecido... ou lembrado pelos meus erros, não pelos meus sucessos. Isso faz da vida um desespero, essa vontade de construir algo que perdure e transcenda a minha tediosa realidade. Eu preciso construir algo bom antes que minha luz se apague. Por isso tenho medo de morrer amanhã.
E se morrer tão logo nasça o dia, não terei dito adeus, nenhuma palavra de despedida àqueles que tanto estimo, nem mesmo um suspiro de consolação ao meu amargo fim. Dá-me agora vontade de pegar o telefone e ligar para meus pais; dizer que os amo acima de tudo; pedir desculpas pelas minhas desobediências na infância, pelos meus erros na adolescência e pelos meus ais de agora. Queria deixar bem claro que a culpa de eu ser assim não é deles, não é minha, e sim do acaso, do destino ou da má sorte que me ruiu os dias. Queria dizer ao meu jovem irmão que lamento não ser o seu exemplo, não estar presente nos momentos importantes de sua vida, que sua existência me fez lutar contra a praga mortal que me dilacera inteiramente. Gostaria de carregá-lo no colo como fazíamos quando eu tinha forças para lançá-lo às alturas e agarrar seu corpinho, sorrindo como ele, como uma criança feliz. Queria poder ligar a Ela e dizer-lhe o que encontrei a felicidade em seus braços, como sua voz infantil me acalentou nos momentos de mais intensa crise, como seu sorriso me forçava a resistir às plagas da dor. Infelizmente o adianto das horas inviabiliza a necessidade pungente de discar os meus dois números telefônicos tão queridos, por isso a dor da alma transcende a dor do corpo.
Pode ser que eu não morra amanhã, mas não ouso dizer-lhes o que grita em mim. Não quero assustá-los com minha incerteza, não quero que vejam em mim a “luz negra” apagar-me os sonhos. Causar tristeza nos que me amam enquanto ainda respiro seria um golpe ainda mais desumano ao meu pouco futuro. Prefiro vê-los sorrindo, prefiro fazê-los acreditar que estou bem e ando a arquitetar uma vida plena de objetivos. Pena que, para mim, sejam apenas continuar um pouco mais entre eles.
Dói-me olhar para trás, enquanto passa o meu curta-metragem, e lembrar que por vezes tentei contra minha existência; que pensei em desistir de tudo, vazar a cabeça com um tiro, lançar-me de um edifício, tomar dezenas de antidepressivos e agora, que mal me sustento, rezo em silêncio por um pouco mais. Mas me entregar à dura realidade do meu prazo também não seria uma forma de suicídio? Ou seria um modo louco de desistir da luta inútil, já que todos têm o mesmo fim? A consciência humana é mesmo problemática. Vivo em dicotomia, numa antítese crucial: viver para morrer “versus” não morrer para viver. Mas como um exclui o outro, embora rumem ao mesmo fim, sou prisioneiro desse paradoxo complexo da existência.
Estou fraco. Choro como um último bálsamo ao inevitável. Minha forma de encontrar alívio aos meus pecados é isolar-me em mim, trancafiar-me no pouco que me resta de paz. E mesmo assim até o que me tranqüiliza assusta. Estou em pedaços que jamais serão juntados, estou a um passo do desconhecido, a um passo de chegar aonde a luz brilha intensamente e não há mais volta.
Penso em como serei lembrado, se é que o serei. Minhas composições muito provavelmente serão enterradas comigo, algumas esquecidas em gavetas ou perdidas entre tantas folhas. E todo o esforço e dedicação aos quais me empenhei tão arduamente não terão valido nada. Todas as noites, debruçado sobre uma mesa calejando os dedos com a caneta, terão sido inúteis como fora a minha vida. Logo eu que tive o sonho de um dia ser alguém, de ser reconhecido por uma utopia. Se eu tivesse tempo para amadurecer minha literatura medíocre, talvez eu fosse lembrado, sem honras, mas lembrado e, quem sabe, homenageado de alguma forma num evento menor. Mas não!
O amanhã está próximo, e eu não quero morrer sem dizer perdão e adeus. Realmente não quero... mas não depende de mim, infelizmente não.

Alberto da Cruz
2007, 11 de setembro

Já lustrei meus sapatos

A tarde é fria. Eu já não sei que graça tem a vida. Meu coração, de luto, palpita. Certas coisas trazem à luz um sentimento obscuro de partida; a minha partida. Esvaindo-se lentamente, a essência vital da juventude me abandona a cada dia. Não tenho mais prazeres, não me restaram dos sonhos a esperança. Tudo morre um dia, nada é eterno, tampouco tem pretensões de ser. È inevitável lutar contra o único fato derradeiro, quando não se há mais soldados nem guerreiros.
Eu deixo a vida, não hoje, mas ao poucos. Lutar? Por que haveria de cansar-me com uma batalha que antes mesmo de iniciar-se já está perdida? A morte me rodeia, me enlaça, abraça, me beija. Acaricia-me a testa, desce à minha nuca, segura-me nos ombros. Consolo último nos dias de sofrimento elevado. Não tenho medo, mas a ponta da melancolia me faz chorar. E essas lágrimas em silêncio e segredo que me escorrem pelo rosto amargurado aliviam a dor do desengano.
Se eu tivesse um revólver não pensaria duas vezes, poria em prática o gesto malfadado, exteriorizando meu sangue doente em troca de um pedaço de chumbo. Mas não posso adiantar o futuro. Falta-me coragem. Apesar disso, é inevitável dizer que a sorte me abandonou. A morte é uma donzela à espera da valsa. Já lustrei meus sapatos. Aguardo a orquestra.


2007, 07 de setembro

domingo, 2 de setembro de 2007

Salve a estupidez humana

Estou cada vez mais relapso com as postagens e ainda mais displicente com os textos. Culpa da vida atribulada que não me deixa espaço para nada mais do que as inúmeras atividades profissionais? Não, definitivamente não! O culpado sou eu mesmo e minha incondicional preguiça melancólica. Passei esta semana, digamos, na flauta; trabalhei pouco devido a uma série de fatores inerentes a mim, mas não reclamo, apesar de que na semana passada o labor foi muito mais brando, já que fui acometido por uma estranha virose que me derrubou por quatro enfastiados dias. Embora o tempo que tanto almejei tenha surgido, não consegui concentração para realizar nada do que me objetivei a fazer. Vi alguns filmes, li poucas páginas de Risíveis Amores e só. Fui incapaz de pôr em prática o meu segundo ofício e agora peno as plagas da insatisfação própria. Nova semana começando e, para piorar, é chegado o momento de planejar testes e provas para o fechamento do bimestre. E lá se vai meu tempo.
Novamente o Conto Conspiratório ficou de lado e já acumula teias de aranha. Parece brincadeira, não é falta de compromisso ou seriedade com a história; realmente esse projeto me enche os olhos, mas estou atravessando uma fase tão difícil que me é penoso abraçar essa empreitada e dar cabo da história. Uma novela mexicana, é assim que eu me refiro a ele. Para piorar, já faz algumas semanas que não converso com Jean e a distância que nos encontramos só tende a piorar as coisas. Preciso agora me empenhar ou perderei uma nova oportunidade. Fui convidado a participar de um bom concurso literário, cuja premiação é tão boa quanto o outro, e ainda não rabisquei nenhuma linha. Até poucas horas não sabia sequer sobre o que poderia escrever, mas graças a uma incômoda dor de dente, tive a idéia para tecer uma historinha de suspense para enviar à editora. Resta-me agora amadurecer a idéia, criar as personagens principais, definir tipo de narrador, tempo e espaço para enfim começar a labuta. Para a mesma editora, enviarei também dois poemas com o mesmo intuito, concurso. A dúvida é se devo quebrar a cabeça escolhendo-os dentre os que já foram compostos ou se escrevo dois inéditos e exclusivos para a participação neste concurso. Ruim por um lado, tenho ojeriza a concursos desde que me aborreci com as falcatruas dos últimos que participeis; bom por outro, pois só assim posso ter a medida certa do meu amadurecimento depois de ter renovado o contrato editorial e simplesmente ter me limitado a dois pequenos volumes de poesias, alguns contos e esparsas crônicas sem muito valor. Quero ver como me saio depois de tanto tempo sem me expor ao crivo da crítica especializada.
Não posso só dizer as coisas ruins destas últimas semanas. Mais idéias surgem e não dou cabo delas. Acredito que eu deva trabalhar com idéias, pois as tenho uma atrás da outra numa propulsão maior do que minhas pseudo-habilidades. Deveria anunciá-las em classificados de jornais e vendê-las a preço de custo: Vendem-se idéias de todos os tipos. Preço de ocasião, pois elas me surgem, se desenham e se vão sem dizer adeus, porque eu não sei aproveitá-las. Isso me irrita. A última me apareceu lacerante depois de um dia dificílimo em que pensei tenazmente em pôr fim à sofreguidão dos meus dias. Mal como de costume, rotina esdrúxula, ouvia Cazuza e tive vontade de assistir a O Tempo não pára, com Daniel de Oliveira dando um espetáculo de interpretação. Terminado o filme, voltei a ouvir o poeta miserável levado muito cedo para a eternidade. Acho que pela primeira vez fui além do óbvio na poesia de Cazuza. Descobri nele um lirismo marginal, embriagado e decadente. Resolvi que escreveria um ensaio sobre sua obra, depois, já com a preguiça, um artigo. Como estou sem paciência, decidi por apenas um “textinho” sem muito aprofundamento sobre este ícone da música dos anos 80, que assim que estiver esboçado vai encher a caixa de e-mail dos amigos. Começo com uma nota apenas e algumas letras, depois, dependendo da aceitação, envio um texto decente a altura da grandeza do poeta. Torçamos para que eu não desista no meio do caminho e pare com o proposto... como já me é de praxe.