domingo, 3 de junho de 2007

A vida é uma noite depois da orgia


São duas da manhã de domingo, está um frio de matar e eu ainda acordado, esperando não sei o que para dormir. Ao meu lado, uma xícara de café bem forte e o cinzeiro esfumaçando com cigarros que me esqueço de fumar. Pode parecer decadente, mas são elementos simples como esses que me fazem contente. Depois de certo tempo, de ter experimentado tantas coisas na vida, pequenos momentos sem nenhuma alusão épica enternecem o coração de um homem.
Cheguei há pouco da casa da Mariana. Como ainda estou sem minha extensão, preciso urgentemente a me habituar sem carro, Eugênia me trouxe até aqui sob a chuva chata que cai desde cedo. Hoje preferimos não sair, pois estamos completamente acabados depois de ontem. Assim, tentamos assistir a “Kinsey, vamos falar sobre sexo”, mas o sono foi tão mais forte que nossa vontade que inevitavelmente dormimos no sofá. Acho que somente a Luisa conseguiu sustentar suas pálpebras, enquanto o DVD girava no aparelho. Pelo que me lembro, vi exatamente uma hora de filme sem cochilar sequer um minuto, mas depois disso, recordo-me de poucas cenas. Acordei, não com as letrinhas do cast, mas com as imagens de acasalamento de animais ao término da história. Triste, pois o filme é realmente bom.
Antes de começarmos a ensaiar o cochilo no sofá, conversamos sobre Albert Camus e o existencialismo. Citei até umas passagens de “A morte feliz” e “A queda” como prelúdio para o melhor de todos, na minha modesta opinião, “O Estrangeiro”. Poucos livros me marcaram tanto como esse último. A idéia de ser um estrangeiro no próprio mundo, ser tão alienado com as coisas a nossa volta ou, simplesmente, a indiferença com os acontecimentos que regem nossas vidas me levaram a uma boa reflexão sobre o que tenho feito atualmente com minha existência. Ela é tão sofrida porque os fatos acontecem independentes de nossas escolhas ou sou eu que a quero assim? Ainda não consegui formular uma conclusão convincente sobre o assunto. Gostaria de ouvir sinceras opiniões.
Fora esse bom período, meu dia foi arrastado. Mas já esperava por isso, afinal a festa sexta-feira foi uma loucura. Não me lembro da última vez que bebi tanto. Enquanto Mariana estava lá, comportei-me bem, apesar de termos brigado (já virou rotina), bebi moderavelmente, sem cometer excessos, apesar de ter misturado cerveja com dry martini. O problema se deu quando Mariana foi embora, já disse aqui que ela estuda sábado de manhã. Fiquei com a Luisa o resto da festa, opa, essa frase ficou ambígua. Corrigindo, fiquei na companhia da Luisa o resto da festa, bebendo tudo o que havia resguardado antes. Resultado: depois que fomos expulsos da casa da Gabi, não que houvéssemos feito algo criminoso, mas a hora era bem adiantada, fomos ao píer continuar nossa diversão. Estava bem até que começamos a molhar a boca com licor de menta. Sim, molhamos a boca para evitar o ressecamento até a garrafa chegar a metade. Pronto, perdemos a linha.
Iria dormir por lá mesmo, mas na volta e Lu nos desencontramos. Cheguei a sua casa sozinho e não quis chamar, temendo acordar a vizinhança. Dormi entre o carro e as flores da varanda como um mendigo no meio da rua, sem teto para o salvaguardar do frio. Pronto, a miséria começou. Resolvi voltar a pé para casa. Aos trancos e barrancos, vim.
Não me lembro muito bem, mas o caminho foi cheio de obstáculos. Isso inclui uma batida com o rosto num poste, pisar num cachorro e ainda cair no colo de uma mulher que nunca vi na vida.
Acordei péssimo. Não conseguia distinguir nada. Minha cabeça doía, meus ossos pareciam estar quebrados e meu olho direito tão inchado como se tivesse levado uma surra.
Com a ressaca torturando minha mente, escrever como eu pensei que faria tornou-se impossível, inviável, impraticável. Cada pensamento meu parecia uma agulha de tricô perfurando meu cérebro. Um simples movimento de cabeça me dava a impressão de que faria a massa encefálica escorrer pelos ouvidos. A cefaléia, que nome bonito para dor de cabeça, por pouco não me levou à loucura.
Sem conseguir olhar para a luz. Não tive coragem de lançar os olhos além das janelas. As cortinas cobriram tudo, fazendo com que a escuridão me acalentasse. Senti-me um notívago; uma criatura infernal que se esconde da claridade celestial. Eu era um vampiro acordado em pleno dia, temeroso de ser incinerado por uma simples luz.
Quando melhorei, nada melhor de que um filme para passar o tempo. Assisti a Casanova. Confesso que fiquei frustrado, pois foi muito aquém do que eu esperava. A adaptação é uma aventura cômica, cheia de passagens infantis; mas me divertiu um pouco.
Terminada a sessão pipoca, adormeci sonhando leviandades, obscenidades e outros qualitativos duvidosos.
Vejamos o que acontece hoje, mas antes de começar o dia, já faço idéia do que me afastará da composição textual. Fim de semana é mesmo difícil de se escrever seriamente qualquer coisa que preste. Culpa do meu romantismo boêmio, não há como negar. A vida é uma noite na taverna, enfastiada depois da grande orgia.

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